sábado, 31 de dezembro de 2016

Fiel


às vezes, quando você usa o rímel
os seus olhos se encontram no espelho
os da carne e os da alma
nesse momento, nada que seja exprimível

nenhuma palavra que seja deste mundo
um sentimento meio que confuso
o eu e o eu verdadeiro, mortal e imortal
um breve encontro, de propósito ignorado

um medo inexplicável, constrangimento
consciência do espaço usurpado
o dono legítimo mora silenciosamente
em todos os recantos do avesso

e transpassa todos os limites da matéria
invade suas verdades sem que pudor haja
te conhece mais do que se possa conjecturar
é mais insolente do que a água, é ar

Se, nesse pequeno encontro ao espelho
puder se demorar um pouco mais
sem razão, sem verbo, sem escudo
só você como testemunha de si mesmo

o seu fiel, o seu único e eterno
nesse instante mágico desperto
nessa fenda dos mundos que se abre
vem uma força louca que entorpece, beba-se!



terça-feira, 28 de junho de 2016

Corpo presente


os teus olhos seguram uma tempestade
e eu já não posso te servir de abrigo
também não podemos regressar ao começo
que nenhum de nós já é mais o mesmo

viajar tem esse efeito, metamórfico
gira um botão qualquer dá dentro do peito
a saudade que fica do ponto de partida
é uma vaga lembrança daquela perspectiva

e olha que eu nem fui tão longe assim
nem me demorei tanto como gostaria
é que minha alma foi muito mais além
da estrada que alcançaram os meus pés


terça-feira, 7 de junho de 2016

Silenciês


às vezes eu falo tão alto
dentro de mim
que suspeito que grito

então eu passeio meus olhos marejados
a procura de um flagrante
observador

ninguém, nenhum pescador

perderam todos um poema lírico
que para sempre ficará perdido
foi escrito em silêncio, se foi...

segunda-feira, 28 de março de 2016

Tolo

 
para onde a gente volta
quando tudo está destruído
em que canto eu me abrigo
se o inferno está em mim
se são as paredes do meu coração
que estão em ruína

de onde eu continuo minha poesia
se você arranca do nosso livro
todas as páginas que foram escritas
como sigo em frente
se para onde quer que eu vá
levo esse vazio cheio de mim
 
 


domingo, 13 de março de 2016

Dicotomia

 
 
às vezes acho que meu discernimento
vive no crepúsculo dos argumentos
indeciso entre razão e instinto
ora é o imaginário que abre o vão das cortinas
ora são os fatos tocando alto o som da campainha
quem sabe me dizer onde fica o limiar
o ponto exato onde se colocar uma porta
de onde eu possa ver de um lado a noite
do outro somente o dia
sem o efeito da janela sobre o porão
 sem mais amanheceres e anoiteceres
sem mesclas de luz e escuridão
 


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Veredito

 
 
é rarefeito o ar
de quem solitário ama
é oxidante a angústia
da esperança que tudo esvazia
horas, minutos, vidas
o que resta da lucidez e autoestima
é estonteante esse remix
que você faz da nossa história
onde eu coatuo e você assina a autoria
é pecado ser amado sem quitar o débito?
se não for, deveria
 te acuso, réu inconfesso
de  meucoraçãofilia

 

domingo, 31 de janeiro de 2016

Nas mãos de outro alguém


 
falácias em tons de metáforas
para confundir sua leitura
e travar seus argumentos
 hesitar qualquer desfecho
te levar a crer em conjecturas
hipóteses vazias, apenas iscas
que te atam num frágil laço
que costuram o real ao falso
e te emaranham por mais tempo
e pelo tempo que durar o desejo
que não é o seu
 
 

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Potes do mesmo barro


 dilacera-me não poder gritar ao mundo
mas não trago nenhum estandarte
e a minha verdade é apenas mais uma
 
eu vejo um mundo cheio de retalhos
cada pedaço enrolado em arame farpado
e tantos selos tapando seus olhos
 
é a marca da roupa que você usa
é a religião que você chama de sua
é o teu voto, teu sexo, tua paixão, tua cultura
 
rótulos e cercas, múmias
algemas sociais, cabrestos
almas segregadas, desprezo
 
queria gritar ao mundo
'ninguém pode ficar para trás'
deste teste, ou saímos todos, ou ninguém sai

Um

os homens se perdem
na busca da origem das suas vidas
quanto mais subatômicos chegam
mas o infinito lhes apresenta
uma nova e ínfima partícula
 
não existem réguas para medir o divino
mas no homem foi semeado o desejo
não por entretenimento dos anjos
que observam seus esforços
mas pelo crédito que lhes foi feito
 
filhos, pedras brutas a burilar
quanto mais polidos, mais perto do ninho
quanto menos adjetivos sombrios
a acompanhar seus nomes, seus legados
mais cristalinos são os seus olhos
 
mais fácil ver o que sempre foi óbvio
que o que faz ao próximo, faz a ti mesmo
porque aquilo que olhas no espelho
são apenas átomos aglomerados
assim como o próprio espelho
 
 assim como a parede por detrás dele
e o solo que te sustenta, o teto que te abriga
as árvores na esquina, os pássaros que te sobrevoam
matéria, nuvem de partículas, atração
o que nos difere é o nível de energia
 
somos todos um
 
 

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Monóculo

 
 
por fora transbordo mentiras
à noite tantas vozes eu silencio
noites em claro, dias sombrios
meus olhos já nem sequer marejam
mas o oceano bem poderia
ser uma lágrima minha
e o amor que eu sufoco
que no passado revisito
não porque era feliz
apenas por vício
 
o amor que eu deveria
com todas as forças ter vivido
o amor que quase tocou minha alma
que tão perto chegou de mim
mas caprichosa, escolhi o vazio
minhas escolhas, meus guias
meus frutos expostos sobre a mesa
que eu ignoro, finjo que não os vejo
e à esmo sigo meu caminho
teimando em colher o que não semeio
 
 
 


terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Centelha

 
de que é feita a matéria
senão de partículas de energia
tudo o que existe, inexiste
numa avaliação mais profunda
como pode a criação ser magnificente
e nada ser ao mesmo tempo
o estar vivo, neste instante, é divino
a liga invisível da matéria
que sem alma sequer é poeira